O Prof. Dr. Enrique Ortega da Faculdade de Engenharia
de Alimentos da UNICAMP, ligado ao Laboratório de Engenharia Ecológica e
Informática Aplicada, trouxe para o debate do Fórum “Tecnologia Social e os
conceitos de Economia Verde: propondo convívios possíveis ...e desejáveis”, o
tema: “O desafio pedagógico de reunir sinergicamente: Tecnologias Sociais,
Economia Verde, Agroecologia, Agricultura Familiar e Cooperativa”. O evento
aconteceu no mês de agosto em Campinas e o Jornal Pires Rural vem abordando em
cada edição os temas discutidos.
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Prof. Dr. Enrique Ortega - O desafio pedagógico de reunir: Tecnologias Sociais, Economia Verde, Agroecologia e Agricultura Familiar |
Como o professor Ortega definiu o Fórum de Tecnologia Social
procura fazer a interação entre campos do conhecimento com potenciais de
integração por isso propôs abordar “o desafio pedagógico de reunir
sinergicamente: Tecnologias Sociais, Economia Verde, Agroecologia e Agricultura
Familiar e Cooperativa”.
Para retratar o cenário da humanidade hoje, foi-se
necessário, nos debates, voltar historicamente e assim fez professor Ortega. “Hoje,
em vez de economias regionais autosuficientes e sustentáveis, sofremos com a “modernidade
capitalista”. O que seria isto? É um projeto mundial de dominação que surgiu na
Espanha em 1492 para expulsar aos árabes e os judeus da península ibérica
e depois, aplicou-se na conquista da América”. Esse modelo
eurocêntrico adotou a "ética de negar os outros”, começando pelos árabe e
judeus e depois os indígenas e assim por diante. “Esse raciocínio lhe permitiu
destruir, sem piedade, o meio ambiente e as culturas humanas, chamado de Mercantilismo
que evoluiu para o Capitalismo Industrial, surgido no século XVIII graças ao
acúmulo de capital obtido no saqueio da América (ouro, prata, madeira), pelo
aumento da demanda de manufaturas, pelo trafego de escravos, pela
desapropriação das áreas comunais e ao êxodo rural, pela adoção de tecnologias
da China (navegação, aço, impressão gráfica ) e pelo uso da máquina a vapor na
extração de carvão nas minas”, exemplificou.
Economia ecológica
Voltando ao nosso tema: integração entre tecnologia social,
economia verde, agroecologia e agricultura familiar, vamos pensar que existe
uma boa razão para fazer essa articulação. Na opinião do professor Ortega, a
economia verde proposta pelo capitalismo é uma forma de iludir as pessoas,
esses temas estão dentro da filosofia do capitalismo. Propõe-se outra
plataforma, para isso é necessário saber o que cada um desses campos de
conhecimento estuda e atuam. Achar os meios adequados de fomentar novas formas
de organização e estruturação para um trabalho em comum. Ele diz; “precisamos
produzir conhecimentos longe da ótica do mercantilismo eurocêntrico, precisamos
de uma epistemologia descolonizadora e auto-organização para dar uma integração
entre os temas. Assim a economia verde passa a ser economia ecológica,
solidária, as tecnologias sociais poderiam ser um mecanismo diferente de aplicação
de pesquisas universitárias. A agricultura familiar poderia ser revista e
planejada por bacias hidrográficas e pensado um planejamento integral de
produção de alimentos, energia e serviços ambientais. A agroecologia poderia
avançar e incorporar a ecologia de sistemas. E para dar início a esse trabalho
a universidade poderia identificar e trabalhar com os grandes temas que afetam
a humanidade hoje.
Um problema grave e urgente
Professor Ortega alerta como obstáculo inerente a perda da resiliência
do planeta (capacidade de se recompor) e coloca em risco o futuro de todas as
espécies, incluído a nossa. “A civilização sempre esta em mudanças, tem
modificado a cobertura vegetal do solo e a composição da atmosfera do planeta.
A relação dos grupos humanos com a natureza varia entre a convivência ecológica
até sistemas onde ocorre uma degradação predatória dos recursos naturais com
perdas irreparáveis”, comenta e desafia: “será que a universidade tem condições
de assumir o desafio da perda da resiliência planetária? Ela precisaria mudar
seu projeto político-pedagógico. A UNICAMP conserva seu projeto desde a
fundação, há 40 anos atrás”, assinalou.
Efeito globalização
A ética do capitalismo tem a ver com o crescimento continuo.
Esse sistema concentra a riqueza em poucos e finge que ignora o impacto que
gera sobre o meio ambiente e a sociedade. Essa forma de funcionamento provoca
crises, entre elas, a grave crise climática.
As mudanças climáticas somado a perda da resiliência do
planeta, o esgotamento de uso de recursos não-renováveis e o uso predatório dos
recursos da natureza permitiu: o pico de crescimento continuo, o clímax, que é
o momento no qual vivemos atualmente e depois o sistema terá o decrescimento. O
projeto político pedagógico da universidade contempla apenas o período de
crescimento. Faz-se necessário outro projeto político- pedagógico para
enfrentar o desafio do clímax, o decrescimento e a homeostase (um novo ponto de
equilíbrio).
O professor explica; “houve o crescimento continuo, que é a
visão antropocêntrica; a luta de classes; hegemonia do capital; crescimento da
população; inovação apenas para o lucro; uso da água, de energia fóssil e
mineral; imposição ideológica e militar e agora chegamos no clímax. Como
sabemos que estamos no clímax? Porque se percebe o esgotamento de recursos de
todos os tipos, a crise financeira, percepção das mudanças climáticas. Logo
começará a acontecer o decrescimento. Haverá um ajuste dentro do capitalismo, que
será insuficiente. Depois, uma crise social e para chegarmos no decrescimento vai
ser necessário um empoderamento massivo, transformador e de boa qualidade. Teremos
uma mudança para o eco-socialismo, mas não como objetivo mas como um projeto de
transição, algo que podemos denominar de ruralização ecológica, que seriam as comunidades
regionais, territórios sustentáveis e saudáveis e no final atingiremos a
homeostase, que não é interessante mas recuperaremos a visão biocêntrica”
apontou.
Sementes lançadas, jardineiros que as tratem
Pra finalizar sua fala o Prof. Dr. Enrique Ortega expôs que
a análise dos fenômenos gerados pela globalização exige uma abordagem
científica que combine, simultaneamente: a análise sistêmica e pensamento
crítico. Em cada campo de conhecimento teria que adotar esse enfoque para
entender o mundo real, que é composto de sistemas sustentáveis e resilientes e
também dos sistemas destruidores. Para aí sim, poder interagir sinergicamente,
integrando as Tecnologias Sociais, Economia Verde, Agroecologia, Agricultura
Familiar e Cooperativa. “É o desafio do
projeto político-pedagógico. Temos que refletir, pois o que temos visto é um
exemplo de que o capitalismo esta inserido destruindo a base de nossa
sobrevivência” ressaltou.
Capa da edição 139 do Jornal Pires Rural
[Matéria publicada originalmente na edição 139 do Jornal Pires Rural, 04/10/2013 - www.dospires.com.br]